10 de julho de 2010

Uma simbiose perfeita

Fotografia de Marcelo Hoffmann.

Há 2 anos, quando estive internada em S. José no serviço de oftalmologia para pôr as lentes intra-oculares, lembro-me de ver passar no corredor uma cega com um cão-guia à frente. Naquela situação, e com aquela ansiedade inerente e inevitável de quem vai ser operado (ainda que soubesse que a taxa de sucesso era altíssima), apercebi-me da importância de um cão-guia na vida de um cego.

Um cão-guia bem treinado evita que o dono se depare com obstáculos no chão (buracos, excrementos, degraus, poças de água…), evita os que ameaçam a cabeça do cego (como ramos de árvores), procura-lhe uma caixa multibanco ou um lugar sentado nos transportes públicos, localiza as passadeiras e o sinal verde para atravessar. E, claro, faz-lhe companhia. E fazem-se companhia um ao outro.

Em Portugal, apenas uma escola se dedica ao treino destes cães, quase todos retrievers do labrador por serem muito meigos, apegados ao dono e fáceis de educar. Na Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual os cães são treinados durante dois anos até poderem ser atribuídos a um cego. Desses dois anos, o primeiro é passado junto de uma «família de acolhimento», encarregada de socializar o cão, de o habituar a ir à rua e a conviver com outras pessoas e animais. Sempre sob a supervisão e com as instruções de um educador. Depois, é a separação gradual, um treino mais intenso e o início da relação com o futuro dono. Sublinhe-se que, em Portugal, os cães-guia não são pagos, apesar de a sua educação sair bem cara. Mas, como se costuma dizer, «é por uma boa causa»

Há dias, quando comentei com uma colega que ia escrever sobre os cães-guia, perguntou-me se estes cães não seriam meramente utilitários e pouco felizes, vivendo apenas em função do dono. Hoje, depois de ter lido mais umas coisas, respondo que não acho. Quem tem cães sabe que um cão, e sobretudo um labrador, vive em função do carinho do dono (e só assim vive feliz). E, parece-me, não há cães com mais atenção e amor do que estes. Uma simbiose perfeita.

7 comentários:

estouparaaquivirada disse...

Concordo inteiramente!
São cães adoráveis, queridos, meigos, que adoram ser prestáveis!
Gostam tanto de nós como nós deles!!!
XX

sininho disse...

1. ontem revi o marley :D
2. numa paragem de autocarro perto de minha casa costuma estar um cão-guia acompanhado do seu dono que me fascina...

Vespinha disse...

O Marley (lido e visto) faz-me chorar baba e ranho... :)

Anónimo disse...

O cão-guia ajuda também o cego a ganhar auto-confiança, a não se isolar e a fazer novos amigos...para ambos! É feliz como qualquer cão que tenha cuidados e o amor do dono. É um cão que irradia serenidade no "trabalho" que faz, mas não é triste, de modo algum.
Gisela

Cristina Torrão disse...

Qualquer cão precisa de uma tarefa a cumprir, o pior que pode acontecer a um animal destes é sentir-se aborrecido. Os cães que passam a vida acorrentados num quintal, mesmo bem alimentados, são muito mais infelizes do que os vagabundos que, de vez em quando, passam fome (morrer de fome é já outra coisa, mas se lhes dessem a escolher, não sei...). Um cão sofre muito ao sentir-se inútil e sozinho, uma coisa que devíamos ter sempre presente (o sinal mais evidente é o uivar, nenhum cão feliz uiva, ao contrário dos lobos).
Em contrapartida, eles nada têm contra o viver em função do dono porque não se regem pelas mesmas regras que nós. Obedecer a um dono não é ser submisso, é ter uma missão na vida.
Claro que eles também possuem as suas limitações e podem entrar em stress. Por isso, é importante que uma educação dessas seja feita por especialistas cheios de paciência, demorando o tempo que for preciso (neste caso, normalmente dois anos, como diz a vespinha). Uma vez educado, o cão fica felicíssimo por poder desempenhar as suas funções, uma outra vida seria uma tortura para ele :)

Isabel disse...

bom eu sei do que fala, fomos família de acolhimento do Dakar até ele ser entregue aos 2 anos. Já o revimos a ele e ao novo dono, ambos felizes. Temos saudades do Dakar mas sabemos que está a cumprir uma missão importantíssima.

Ouvi uma vez o director da escola dizer que mais complicado do que terem dinheiro suficiente é terem famílias de acolhimento (que só podem ser das regiões de Coimbra, Aveiro e Viseu.

Vespinha disse...

Admiro muito a vossa dedicação... A separação deve ter sido muito difícil, mas acredito que se sintam mais ricos assim. Muitos parabéns, e que outros Dakars venham...